Os dez erros de português das empresas – Matéria da Revista Língua Portuguesa de Edgard Murano

Quanto maior o cargo, mais o tropeço compromete a imagem do profissional
Edgard Murano

Foi uma área em que, por tempo demais, os desavisados acharam dispensável o domínio do padrão culto do idioma. Mas no mundo corporativo, em que a lógica dos lucros e prejuízos norteia as preocupações cotidianas e torna a precisão comunicativa um valor precioso, executivos e funcionários já não desprezam o aprendizado da língua portuguesa.
Conheça os principais erros

A consciência no uso do idioma nas situações de comunicação do cotidiano empresarial pode ser a diferença entre um desempenho eficaz e o fiasco nas relações internas das corporações, na interface de suas operações com fornecedores, em reuniões de trabalho e negócio. Daí a onda de profissionais a procurar cursos de aperfeiçoamento, preocupados com a própria formação e ciosos da credibilidade da empresa que representam. Aqueles que leem menos acabam recorrendo a intensivos para absorver de forma rápida um conhecimento que, em geral, se construiria ao longo de uma vida.

Ligia Velozo Crispino, sócia-diretora da Companhia de Idiomas, já perdeu a conta das empresas a que atendeu com praticamente todos os funcionários apresentando deficiências idiomáticas sérias, em cargos como os de gerência, dos quais se espera uma formação mais consistente. Ela assinala que os erros mais comuns são os de concordância e regência verbal, além de ortografia (“experiência” com s ou “ansiedade” com c, por exemplo, são comuns), a maioria perpetrada na comunicação por internet:- Você não detecta tantos erros em relatórios quanto em e-mails. Esse tipo de mensagem proporciona um nível de informalidade muito grande. Profissionais jovens, principalmente, escrevem tudo em minúscula e não colocam acento, o que acontece, na maioria dos casos, por causa da necessidade de se comunicar de forma rápida – afirma Ligia.

A diretora associa o uso do idioma a um cartão de visita.

– Se você está num cargo de destaque, obviamente estará mais exposto. Sendo assim, imagine um diretor de marketing, um relações públicas, com a responsabilidade de representar minha empresa: que imagem ele vai passar se comete muitos erros de português? – questiona.

A publicitária Marlisi Rauth, que trabalha como analista de comunicação e consultora de marketing em Curitiba, destaca o uso indevido do pronome oblíquo (“te mandei um arquivo”, por exemplo), que embora tolerado na comunicação oral não é recomendado na comunicação escrita ou em situações mais formais. Outra complicação comum são os vícios de linguagem, diz Marlisi, como “a nível de”, além do clássico “para mim fazer”. São erros fatais, que causam má impressão.

– Há muitos sites e peças de comunicação empresarial repletos de erros, mas isso é bem mais frequente no cotidiano das empresas. E esse é o problema, porque as pessoas acabam se acostumando com alguns deles – afirma Marlisi.

Para a consultora, o equívoco mais grave é o cometido em materiais de comunicação externa. Quando um cliente ou um possível cliente acessa um site ou recebe um e-mail marketing com tropeços de português, isso afeta diretamente a imagem da empresa ante outras instituições. Há conclusões negativas que um cliente pode tirar disso:

– Se são descuidados com o português, no que mais são descuidados? Se falam comigo em português errado, podem errar em outros momentos do nosso relacionamento – questiona Marlisi.

Inversão
Gerson Correia, sócio da Talent Solution, uma empresa de seleção de executivos, já presenciou muitos maus tratos à língua, que comprometeram negócios. Segundo ele, se um profissional mais experiente ainda comete erros primários, é porque nunca teve feedback [jargão corporativo que significa “resposta”, “retorno” ou “avaliação”].

– Um cliente de uma empresa de tecnologia estava prestes a fechar um negócio, e a certa altura cometeu um erro referente à grafia de uma palavra comum, do cotidiano. Pegou mal e o negócio acabou desandando, pois causou uma péssima impressão – diz Gerson

O executivo ataca o uso de gírias na comunicação corporativa.
– Em segmentos como o da publicidade, as gírias são toleráveis, mas em grande corporações, por exemplo, é de bom tom evitar expressões mais informais – recomenda.

Há situações, de informalidade a tal ponto instituída na comunicação, que o uso normativo da língua se torna vítima de preconceitos.

– A ênclise [coloção do pronome depois do verbo] hoje é motivo de crítica, e muitos consideram pedantismo. A expressão com gerúndio também parece ser regra, em vez do futuro do presente. De modo que, quando se ouve a forma certa, soa esquisito, como se o correto fosse estranho – afirma Correia.

Promoção
Uma pessoa que apresente dificuldades para comunicar-se tende a ter maior dificuldade numa empresa. Quanto mais se evoluir na hierarquia maior será a cobrança. Na expressão, essa evolução será medida, entre outros fatores, por um bom vocabulário e pela capacidade de se expressar com precisão e clareza em situações cotidianas.

– Há pessoas que, por tempo de casa, são promovidas, embora persistam nelas problemas de comunicação. Nesses casos, a empresa se vê obrigada a investir nessa pessoa para ensinar-lhe o idioma. E se numa empresa a equipe se comunica melhor do que o líder, aí você tem um problema. Não será um curso de 40 horas que irá solucioná-lo, pois isso vem de família, de educação – afirma Ligia, da Companhia de Idiomas.

Ligia defende, para esses casos, um trabalho mais prolongado, que leve a leituras e atividades variadas, para os funcionários não ficarem “bitolados” na cultura empresarial.

Embora a falta de domínio da língua implique restrições ao crescimento profissional de um executivo, a consultora Marlisi Rauth não crê que a incidência de erros constitua motivo para demissão.

– Uma pessoa que não saiba escrever ou falar corretamente, muito provavelmente terá dificuldades de se expressar. Sem saber se expressar, o profissional pode acabar falando o que não deve, ou pode não ter capacidade de persuasão e justificativa em momentos delicados, por exemplo. E, aí sim, pode colocar muito a perder – explica Marlisi.

A consultora recorda de uma empresa onde trabalhou que desclassificou candidatos e aspirantes a vagas por terem ido mal na prova.

– Vi muita gente perder sua chance de contratação por causa do português – afirma.

Resistência
Entre os clientes atendidos por Ligia na Companhia de Idiomas, aqueles que apresentam as maiores deficiências com relação ao português são da área de ciências exatas. Segundo ela, é comum empresas de tecnologia, engenharia e corretoras de valores, entre outras, apresentarem baixos índices de acerto nos testes que avaliam o domínio da língua.

– Apenas 5% dos funcionários de empresas com esse perfil costumam acertar mais de 70% dos testes – assegura Ligia.

Em alguns casos, Ligia se vê obrigada a começar do zero e a fazer um trabalho de base com os “alunos”. Num claro exercício de eufemismo, ela se viu obrigada a mudar o nome “aula de português” para “oficina de comunicação”, para que as pessoas não se sentissem estigmatizadas.

– Essas pessoas que participam do curso sabem que não se trata de um prêmio elas estarem ali, e sim de um castigo por não terem conseguido passar na avaliação que aplico nas empresas, e alguns se sentem burros. É uma situação delicada. O brasileiro, de maneira geral, não gosta de estudar gramática – afirma.

Tudo indica que, excetuando-se os lapsos, cada vez mais frequentes ante a rapidez que a vida profissional exige, os erros de português têm sempre a mesma base em comum: a falta de leitura. Marlisi defende que um profissional, sobretudo de alto escalão, estabeleça para si uma rotina de leituras – não só de jornais e revistas, mas também de livros – e torne-se “íntimo” do idioma, incorporando a forma culta ao seu dia-a-dia.

Uma pessoa que escreva errado pode acabar sendo tachada de ignorante pelos colegas de trabalho.

Objetividade
A jornalista Arlete Salvador, autora dos livros A Arte de Escrever Bem e Escrever Melhor (ambos da editora Contexto, 2004 e 2008 respectivamente), em parceria com Dad Squarisi, também considera “erro” a falta de objetividade que vitima o uso da língua nas empresas. Arlete alega que a incapacidade de se expressar com clareza pode manifestar-se em textos muito longos e com palavras em excesso, sendo a maioria delas, em muitos casos, desnecessária.

– O resultado disso é que o texto fica prolixo e o autor  arrisca-se a cometer mais erros gramaticais e ortográficos. Uma das coisas mais irritantes para executivos de alto escalão é receber relatórios longos e incompreensíveis. Sabe aquele tipo de documento que o diretor lê e pergunta: “meu Deus do céu, o que ele quis dizer com isso?” – ataca Arlete Salvador.

O exagero de palavras, também conhecido como verborragia, pode ser um sinal de dificuldade para expôr as ideias ou intenções, o que pode, do ponto de vista dos negócios, resultar em ineficiência, queda de produção e consequentemente prejuízos. Além disso, jargões e palavras de efeito podem mascarar informações inócuas ou mal organizadas, revelando a falta de concisão de quem produziu o texto. E, neste caso, os maiores projudicados são a própria empresa e, infelizmente, o idioma.